A Libélula e a Tartagura
A libélula recém nascida, que
pairava as suas leves asas sobre a água transparente do ribeirão, viu imóvel
sobre uma pedra, uma tartaruga que tomava banho de sol. Espantada diante de uma
criatura tão feia, pousou sobre uma folha de capim a fim de ver melhor. A
tartaruga, achando que a libélula a estava admirando, começou a falar:
- Olá - disse ela.
A libélula levou um susto.
- Pensei que você estivesse morta, de tão parada.
- Já fui como você, minha criança, muito agitada, mas aprendi que é perigoso
viver assim. Em você tudo é esbanjamento: asas vibrando, ir e vir nas costas
do vento, voar sem cessar. Mas tudo isso faz mal.
Quem se mexe muito morre logo. A vida é como a vela: há de se economizar para
durar mais. Minha filosofia é simples: nunca ficar de pé, quando posso ficar
deitada. Para simplificar, fico sempre deitada...
A libélula espantada de que alguém pudesse viver assim, ia perguntar se a vida
vale a pena. Mas não deu tempo porque a tartaruga continuou a falar:
- Você ainda não aprendeu a lição do peso. Para se voar é preciso ser leve.
Mas tudo o que é leve é frágil. As crianças gostam de empinar papagaios. Mas
para subir no vento, eles têm de ser feitos com varetas finas de bambu e papel
de seda. Por isso, acabam quase sempre enroscados em algum galho de árvore. Mas
você nunca viu uma tartaruga enroscada num galho de árvore. Estão fora dos
enroscos porque não se metem a voar, porque são muito pesadas e por isso ficam
sempre junto ao chão. Somos prudentes. Voar é perigoso, exige leveza e
fragilidade. Isso é coisa que fascina as crianças, mas não os adultos. Os
adultos são graves. E grave é aquilo que respeita a lei da gravidade e gosta
de ir para baixo. Como eu. Os adultos quando querem elogiar alguém dizem
que ele é uma pessoa de peso. O contrário de peso? Leveza, bexiga solta no
espaço. Quando se diz que alguém é leviano, isso não é um elogio, é uma
ofensa.
Leviano é quem não leva as coisas a sério, como as crianças. Quanto mais
adultas, mais parecidas comigo.
A libélula ia dizer que ser leve é coisa muito gostosa, porque dá sempre uma
enorme vontade de rir, mas se calou, com medo de ser acusada de leviana. A
tartaruga não entenderia.
- E há também a necessidade de defesas - continuou a tartaruga
- Veja o seu corpo, fino como um palito. O bico de qualquer pássaro pode cortá-lo
ao meio. E suas asas? Lindas e fracas. Veja agora a minha carapaça. Nem martelo
consegue quebrá-la. Você é mole, eu sou dura. Mole são as crianças, os
palhaços, os poetas, os artistas.
Duros são os generais, os banqueiros, os policiais, as pessoas importantes.
Quando as crianças deixam de ser uma libélula para se tornarem uma tartaruga,
os adultos dizem que elas ficaram maduras. Na verdade o que querem dizem é que
ficaram armaduras. Coisa madura é coisa mole, gostosa, boa de se comer e se
descuidar apodrece e acaba.
Já a armadura é coisa que vara os séculos. Como eu, impenetrável, constante,
sempre a mesma. Digna de confiança. Serei amanhã o que sou hoje. Quanto a você,
não sei onde estará. As coisas leves passam.
As duras permanecem. Ninguém diz que Deus é vento ou nuvem.
Mas dizem que é rocha e fortaleza. Claro que as armaduras criam certos
problemas. Fica difícil para brincar, pular, abraçar...
Mas é o preço da sobrevivência.
Estou ou não estou certa?
Autor Desconhecido